Por Ithala Souza, advogada do Núcleo de Direito de Família do escritório Cândido Dortas Advocacia
“16 de junho … hoje não temos nada para comer. Queria convidar os filhos para suicidar-nos. Desisti. Olhei meus filhos e fiquei com dó. Eles estão cheios de vida. Quem vive, precisa comer. Fiquei nervosa, pensando: será que Deus esqueceu-me? Será que ele ficou de mal comigo?”
Esse trecho foi extraído do livro “Quarto de Despejo” de Carolina Maria de Jesus, retratando a sua realidade em 16 de junho de 1959, mas poderia, facilmente, representar o Brasil de 2022.
A insegurança alimentar é uma realidade conhecida e visualizada por alguns, e vividamente vivida por outros. Associado à insegurança alimentar, e às demais situações preexistentes, mas agravadas com a pandemia da Covid-19, como a evasão escolar, déficit de aprendizagem, aumento do número de crianças órfãs, aumento de crianças em situação de rua e aumento da criminalidade infanto-juvenil, foi pensada a Agenda 227.
O nome faz referência ao art. 227 da Constituição Federal que traz em seu teor algumas obrigações ao Estado, à sociedade e às entidades familiares em assegurar o mínimo às crianças e adolescentes. Esse mínimo não tem sido cumprido em sua inteireza e a ausência da sua efetividade afeta e compromete, principalmente, crianças pretas e periféricas.
Inicialmente, a Agenda foi pensada com o intuito de incluir as necessidades das crianças e adolescentes nos debates presidenciais para vir a ser incorporado e executado a partir de 2023, mas, diante da sua grandeza, transformou-se no “Plano País”, lançado em sua versão final em setembro de 2022.
O Plano formulou 137 propostas voltadas a estruturar políticas com foco na infância e adolescência, reconhecendo a sua multiplicidade, com o objetivo de garantir os direitos das crianças e adolescentes, com base no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), na Convenção dos Direitos da Criança, Constituição Federal e nas metas previstas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Cada uma das propostas está vinculada a um verbo ativo, seguida de recomendações e suas prováveis limitações, na tentativa de fugir da utopia em busca do alcançável, com atenção, inclusive, aos impactos financeiros e ao importe necessário para o fim proposto.
O Plano se diferencia dos demais por ter sido elaborado por uma articulação e coalização de ideias e ideais formado por mais de 150 organizações, com a participação de organizações indígenas e ribeirinhas, dos Povos Romani, Povos de Comunidade Tradicional e Migrantes.
Apesar de situar-se em um plano teórico, para além de proposições, o Plano também consiste em uma convocação para que cada pessoa conheça suas propostas, conheça um pouco da realidade que atordoou Carolina e atordoa diversas crianças, para então, adentrar no plano prático.
O Plano pauta-se na ideia de que o Brasil do futuro será construído e alavancado pelas crianças do presente, devendo priorizar as necessidades de quem experimenta o mundo pela primeira vez com a perspectiva crua que apenas uma criança pode ter.
Esse texto é em comemoração ao “Dia das crianças”, mas também um convite à participação social nos diálogos voltados às crianças, às suas necessidades e multiplicidades.
Conheça mais pelo link: http://agenda227.org.br/wp-content/uploads/2022/09/Agenda-227_Plano-Pai%CC%81s_15set2022_web.pdf