Justiça Federal em Sergipe obriga Receita Federal a conceder isenção de IPI na compra de carro 0km a portador de cegueira monocular

12 de março de 2024
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Dois anos se passaram desde a sanção da Lei 14.126/2021, de autoria do senador sergipano Rogério Carvalho, e a Receita Federal do Brasil ainda nega a concessão da isenção de IPI para portadores de cegueira monocular que buscam adquirir um carro zero quilômetro. Recentemente, em 4 de março, o Juízo da 1ª Vara Federal de Sergipe determinou, por meio de liminar, que a Receita concedesse a isenção a um monocular, sob pena de multa diária. A decisão foi proferida nos autos do processo nº 0800765-30.2024.4.05.8500.

A Lei 14.126/2021 estabeleceu a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na aquisição de automóveis para pessoas com deficiência (PCD), incluindo aqueles com cegueira monocular. No entanto, a Receita Federal ainda tem feito uma interpretação restritiva da lei, o que tem impedido muitos portadores de cegueira monocular de obterem o benefício ao qual têm direito.

A decisão da Justiça Federal de Sergipe representa um avanço significativo na garantia dos direitos das pessoas com deficiência visual. A liminar concedida no processo citado reforça a importância da aplicação efetiva da Lei 14.126/2021, assegurando que os portadores de cegueira monocular tenham acesso à isenção de IPI na compra de veículos novos.

Essa decisão também destaca a relevância da atuação do Poder Judiciário na proteção dos direitos das pessoas com deficiência, garantindo que a legislação seja cumprida de forma justa e igualitária para todos os cidadãos.

Abaixo a transcrição da decisão da Justiça Federal sergipana:

 

DECISÃO

XXXX (Nome preservado), impetrou Mandado de Segurança contra suposto ato coator praticado pelo DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SERGIPE, por meio do qual pretende:

a) Preambularmente:

a.1) O recebimento e processamento do presente mandamus na forma do que dispõe a Lei 12.016/09 e em face da autoridade coatora indicada, haja vista que há o preenchimento dos requisitos específicos da impetração do mandamus, notadamente direito líquido e certo amparado em provas pré-constituídas que ora requer a juntada, ato coator e tempestividade, nos termos acima detalhados;

a.2) Que sejam adotadas as devidas providências a fim de assegurar que os presentes autos tramitem de maneira prioritária, na forma da lei, observado que o impetrante é pessoa idosa.

b) Em sede liminar:

b.1) Que se promova a suspensão do ato que deu motivo ao pedido e, por via de consequência, adote ou faça adotar imediatamente as medidas administrativas necessárias ao reconhecimento do direito à isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na aquisição de veículo 0 km (zero quilômetro), nos termos do art. 1º, inc. IV, da Lei nº 8.989/1995 c/c o art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 14.121/2021, sob pena de multa diária não inferior a R$ 500,00 (quinhentos reais).

b.2) Que se promova a intimação da autoridade coatora por via digital, preferencialmente por malote digital ou através do e-mail [email protected], para que promova os atos de cumprimento nos moldes requeridos no item anterior.

c) No mérito:

c.1) Que seja confirmada a liminar vindicada no item b.1, no sentido de conceder a segurança e determinar a adoção das medidas administrativas necessárias ao reconhecimento do direito à isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na aquisição de veículo 0 km (zero quilômetro), nos termos do art. 1º, inc. IV, da Lei nº 8.989/1995 c/c o art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 14.121/2021.

d) A ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, a Procuradoria da Fazenda Nacional, por sua seccional estabelecida em Aracaju/SE.

e) A notificação da autoridade coatora para que, querendo, preste informações, nos termos do art. 7º, I, da Lei nº 12.016/09;

f) A intimação do Ministério Público Federal por sua representação em Sergipe, para, querendo, manifestar-se no prazo improrrogável de 10 (dez) dias, nos moldes do art. 12, caput, da Lei nº 12.016/09.

Narrou:

O impetrante é portador de cegueira monocular irreversível (CID-10: H54.4) adquirida em razão de neurite ótica sofrida no ano de 2021.

A patologia foi atestada por médicos de assistência em diferentes ocasiões e devidamente reconhecida pelas duas médicas que compõem serviço médico oficial do Departamento de Trânsito do Estado de Sergipe (DETRAN/SE).

Imbuído do desejo de adquirir um veículo com isenção de imposto sobre produtos industrializados (IPI) conforme autoriza a lei, o impetrante formulou pedido junto à Secretaria da Receita Federal em Sergipe, instruindo o pleito com a documentação exigida, incluindo relatórios médicos diversos e laudo oficial do Detran/SE, além da Carteira Nacional de Habilitação que especifica a condição atual do requerente.

Entretanto, para surpresa do impetrante, o pedido autuado sob o nº 27000.022110/2024-64 foi indeferido pela Receita Federal sob o argumento de que o requerente possui Carteira Nacional de Habilitação (CNH) válida o que, segundo o juízo interpretativo do auditor responsável, inviabilizaria a concessão do benefício.

Tal indeferimento afronta diretamente a disposição da Lei nº 14.126/2021 que reconhece a cegueira monocular como deficiência sensorial e conclui equivocadamente que referida deficiência desautoriza o impetrante a conduzir veículos, o que não deve prosperar porque não previsto em lei.

Por outro lado, em razão do indeferimento injustificado, o impetrante encontra-se impedido de prosseguir com o processo de aquisição do veículo desejado, de modo que não lhe resta alternativa senão impetrar o presente mandado de segurança, com o objetivo de obter célere provimento jurisdicional capaz de lhe garantir a sustação do ato coator.

Apresentou fundamentos jurídicos para embasar seus pedidos.

Anexou procuração e documentos.

É o relatório. Decido.

A concessão de liminar exige a presença concomitante de dois pressupostos legais: a) a relevância do fundamento (fumus boni juris); b) o perigo de um prejuízo se do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida caso, ao final, seja deferida (periculum in mora).

Sobre a isenção do IPI, o artigo 1º da Lei nº 8.989/1995, assim dispõe:

Art. 1º Ficam isentos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) os automóveis de passageiros de fabricação nacional, equipados com motor de cilindrada não superior a 2.000 cm³ (dois mil centímetros cúbicos), de, no mínimo, 4 (quatro) portas, inclusive a de acesso ao bagageiro, movidos a combustível de origem renovável, sistema reversível de combustão ou híbrido e elétricos, quando adquiridos por:

[]

IV – pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental severa ou profunda e pessoas com transtorno do espectro autista, diretamente ou por intermédio de seu representante legal; (Redação dada pela Lei nº 14.287, de 2021).

§ 1º Considera-se pessoa com deficiência aquela com impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme avaliação biopsicossocial prevista no § 1º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). (Redação dada pela Lei nº 14.287, de 2021)

§ 1º-A. Enquanto o Poder Executivo não regulamentar o § 1º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), não será exigida, para fins de concessão do benefício fiscal, a avaliação biopsicossocial referida no § 1º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.287, de 2021).

O parágrafo segundo do art. 1º, da Lei nº 8.989/1995, segundo o qual, “para a concessão do benefício previsto no art. 1º é considerada pessoa portadora de deficiência visual aquela que apresenta acuidade visual igual ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20°, ou ocorrência simultânea de ambas as situações”, foi revogado pela Lei nº 14.287/2021.

Noutro vértice, em 22 de março de 2021 foi sancionada a Lei nº 14.126 que passou a classificar a visão monocular como deficiência sensorial para todos os efeitos legais:

Art. 1º  Fica a visão monocular classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais.      (Vide)

Parágrafo único. O previsto no § 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), aplica-se à visão monocular, conforme o disposto no caput deste artigo.

Pois bem, o impetrante apresenta laudo pericial emitido por médicas do DETRAN/SE, atestando ser portador de visão monocular (id. 4058500.7785968)além de outros laudos médicos (id. 4058500.7785969 a 4058500.7785971).

Assim, a condição do impetrante está inserida no artigo 1º, inciso IV, e §1º, da referida lei, haja vista ter sido acostado aos autos laudo oficial indicando ser portadora de deficiência visual (visão monocular).

Nesse sentido:

 

Tributário. Mandado de Segurança. Apelação da Fazenda Nacional. Imposto sobre produtos industrializados (IPI). Isenção. Veículo adquirido por portador de deficiência física. Art.1º da Lei 8.989/1995 (Comprovação dos requisitos para concessão da isenção. Manutenção da sentença. Apelação e remessa oficial desprovidas.

1. Apelação interposta pela Fazenda Nacional e remessa oficial em face da sentença (id. 4058300.27157887) que concedeu a segurança, para assegurar à impetrante a isenção do imposto sobre produtos industrializados (IPI) na aquisição de automóvel de passageiros de fabricação nacional, por ser portadora de visão monocular, nos termos da Lei 8.989/1995 (com as alterações da Lei 14.287/2021), ao fundamento de que a deficiência foi reconhecida por laudo médico oficial e, portanto, não é lícito à autoridade fiscal negar a concessão da isenção do IPI com base em imposição de condições não previstas na lei que prevê a referida isenção.

2. Trata-se de mandado de segurança que objetiva o benefício de isenção do IPI na aquisição de automóvel de passageiros de fabricação nacional, nos termos da Lei 8.989/1995, sob o argumento de que a impetrante é portadora de deficiência física permanente.

3. Ressalte-se que a norma isentiva prevista no art.1º da Lei 8.989/1995 prevê o preenchimento de requisitos para que o contribuinte faça jus ao direito de não pagar IPI na aquisição de veículo.

4. Não obstante o comando disposto no art. 111, inc. II, do Código Tributário Nacional, de que as isenções devem ser interpretadas de forma restrita, exige-se tratamento diferenciado para a proteção de pessoa portadora de deficiência, a fim de se promover sua integração na sociedade, garantindo-lhe o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais, dentre os quais, o direito à locomoção, conforme previsto no art. 227, § 2º, da Constituição.

5. Note-se que ao lado do comando constitucional da isonomia, neste caso, em matéria tributária, conferiu-se ao deficiente um regramento diferenciado, em razão mesmo do tratamento desigual a que faz jus, na medida da desigualdade com a qual nos deparamos e, como este objetivo, a lei ordinária veio garantir a isenção tributária na compra de automóvel, nos termos do art. 1º da Lei 8.989/1995.

6. Na situação em concreto, não há dúvidas de que a impetrante preencheu os requisitos legais para usufruir da isenção tributária, conforme restou amplamente demonstrado nos autos, inclusive, comprovado, através do laudo médico lavrado por médica do DETRAN/PR, atestando ser a impetrante portadora de visão monocular (id. 26747954), além de outros laudos médicos atestando ser portadora de cegueira em olho direito – CID 10 H54.4 em razão da remoção integral do globo ocular (id. 26747950 e 26747953).

7. Portanto, restam preenchidas as condições do art. 1º, inc. IV, e §1º, da Lei 8.989/1995, haja vista ter o laudo oficial concluído ser a impetrante portadora de deficiência visual (visão monocular – cegueira no olho direito), não sendo lícito à autoridade fiscal negar a concessão da isenção do IPI com base em imposição de critérios estabelecidos nas alíneas do inc. III, do art. 2º, do Decreto nº 11.063/2022.

8. Apelação e remessa oficial desprovidas.

(PROCESSO: 08106987920234058300, APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA, DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR SOUZA CARVALHO, 4ª TURMA, JULGAMENTO: 05/09/2023)

Presente, portanto, a fumaça do bom direito.

Noutro giro, a demora pode ocasionar prejuízo diante da mudança de condições e ofertas.

Ante o exposto, DEFIRO o pedido de liminar para determinar à autoridade impetrada que conceda à impetrante o direito à isenção do IPI para aquisição de veículo automotor nacional, por ser portador de deficiência visual (visão monocular), no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de multa diária de R$ 200,00.

Notificar a autoridade apontada coatora para, querendo, prestar as informações no prazo legal e cumprir o determinado na presente decisão.

Dar ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, desejando, ingresse no feito, em conformidade com o art. 7º, II, da Lei n. 12.016/09.

Após, dar vista ao MPF.

Intimar.

Telma Maria Santos Machado

Juíza Federal

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